sexta-feira, 21 de maio de 2010

A unificação da língua, através da transformação pelo teatro

Para a inspiração de minhas idéias sobre este assunto tão discutido e polêmico, trago da minha memória afetiva a experiência vivida por mim na idealização, realização e vivência do FESTLIP - Festival de Teatro da Língua Portuguesa, com atores e artistas da nossa língua. Em Moçambique em 2006 se consolidou meu desejo de reunir, através do teatro, atores com culturas absolutamente singulares e ao mesmo tempo com uma ligação tão forte que é a língua, dentro de uma manifestação cultural totalmente eclética e diversificada. Em Junho de 2008 na cidade do Rio de Janeiro, minha cidade, ocorreu esse encontro, que por si, não carregava o peso da importância que ele retrataria sobre o tema da unificação da nossa língua. Em segundos eu estava diante de 80 artistas de cinco nacionalidades, filhos da língua portuguesa, para uma convivência diária de 13 dias. Com um sentimento unânime, sofremos a mesma sensação: “Estavam abertos todos os canais para se perceber e se aceitar dentro de suas diversidades e absorver tudo que pudesse gerar transformações”. Foi durante estas descobertas que “monólogos” se misturavam com “binólogos” e éramos como crianças que descobrem uma nova palavra como “parabenizar” (expressão usada só no Brasil) e a falamos como “nossa” o tempo todo. Essa manifestação quebrou um paradigma que me preocupava. Ainda existe no Brasil, o não despertar para o conhecimento e consumo das culturas dos nossos irmãos de língua dentro do nosso país. Enquanto isso, a cultura brasileira adentra sem grandes dificuldades, permeada de aplausos em todos os países da língua lusófona. Logo o Brasil, país de grande miscigenação e com o domínio absoluto de falantes da língua portuguesa, vive a cegueira velada sobre a arte que, de forma atemporal, influenciou e está presente cotidianamente em nossa manifestação artística. O Brasil há tempos, preferiu mergulhar na fronteira da América do Norte e numa corrente de lavagem cerebral coletiva, se travestindo da cultura mais distante hoje da nossa realidade (origem). Chegamos ao absurdo de conhecermos muito da cultura africana através dos costumes americanos, enquanto temos dentro da nossa própria casa essa cultura viva. E não pára por aí. Em um momento em que Portugal dá um passo de humildade como país colonizador e se desprende do paternalismo da língua, o Brasil desconhece os grandes escritores portugueses, mal sabe que o fado português teve sua origem no Brasil e muito menos em sua rotina degusta da rica cultura portuguesa. É fato que vivemos um preconceito velado e talvez inconsciente sobre a cultura dos nossos irmãos de língua. Essa consciência vem se revelando de forma ainda modesta e começamos a buscar nossas origens de forma instintiva. Temos a responsabilidade como país e governo, por dominarmos a língua, de fomentarmos ações e expressões que atuem na direção desse resgate. Voltando ao FESTLIP, ficou claro que a unificação da língua falada é algo intangível. A peculiaridade das expressões e vocabulários é a referencia mais forte de um povo e é dessa forma que eles se despem e se apresentam. Essa distância só tem um caminho para ser quebrada: o intercâmbio cultural entre esses países. Foi na convivência que essa distância se extinguiu e todos se compreendiam com tamanho interesse e liberdade. Por alguns bons momentos foi esquecido que existia ali países de nacionalidades diferentes e sentíamos que éramos um só grupo. Filhos de uma mesma língua, conscientes da realidade da mutação constante que ela terá durante toda uma vida, mas que a convivência e troca entre esses povos são essenciais para uma unificação destas culturas, sem que esta violente as características próprias de um só povo. Em consequência deste movimento poderoso, a unificação da língua portuguesa na ortografia é algo que já está mais que atrasado na fluência da história. Ela é necessária para criarmos uma identidade comum para os falantes dessa língua. Um código único de linguagem, para assim diminuirmos a distância que nos separa e impedirmos que países como Timor se afaste cada vez mais do perigo de se desintegrar de vez da nossa língua mãe. Invisto na minha crença e na cadência dessa unificação. Transformações já começaram… Só esse tema por si já traz mudanças e reflexões. Não sairá ganhando só a economia ou a preservação da própria língua. Ganharemos algo mais. E é exatamente o que eu busquei com o FESTLIP, e que já se materializa: “Criar o Teatro da Língua Portuguesa” dentro da história do teatro, sem violentar as diferenças de cada sociedade. Assim também será com a língua portuguesa, uma só língua, um só código, nosso, dos irmãos nascidos sobre a mesma escrita, porém contando histórias diferentes. Que nos seja dada nossa língua, nossa riqueza e nosso referencial, para que nossas culturas se abram mutuamente e que a arte mais uma vez testemunhe e transgrida esse acontecimento. Ao acaso, assino esse pensamento, prefiro chamar assim, aqui em Cabo Verde. Tânia Pires